Blog Meu Vinho

26/09/2018
Por que o vinho vulcânico está se tornando um assunto quente?
O tema acrescenta uma nova dimensão na exploração do impacto do local no sabor do vinho
O centro do nosso planeta - uma distância equivalente a se pegar um vôo de Pittsburgh, nos EUA, para Paris, na França - tem cerca de 11.000 graus Fahrenheit (6.100 graus Celsius) de temperatura, ou seja, é tão quente quanto a superfície do sol.

Esse calor é parcialmente responsável pela criação de um verdadeiro rodeio de forças tectônicas perto da crosta terrestre. “Placas” maciças - entre 10 e 200 milhas (15 e 200 quilômetros) de espessura quebram e submergem, colidem e criam cadeias montanhosas ao longo do tempo geológico que não podemos compreender - milhões de anos em comparação a talvez um século da vida humana.

O livro Volcanic Wines - Salt, Grit e Power, de John Szabo, explica que a própria complexidade dos solos vulcânicos pode ajudar a criar vinhos distintos. Szabo é um Mestre Sommelier e crítico de vinhos baseado em Toronto, e seu livro é publicado pela Jacqui Small.

"Meu objetivo é lançar luz sobre os casos mais escuros de vinhos singulares do planeta", afirma.

Embora geologicamente diferentes do calcário presente em muitas regiões vinícolas conhecidas, os solos vulcânicos compartilham a riqueza da complexidade física e mineral.

“Os solos vulcânicos alimentam os arbustos dos cafés mais apreciados do mundo e de vegetais intensamente aromatizados, e, para chegar ao ponto, de uvas para vinho”, relata Szabo, acrescentando: “…gostaria de compartilhar minha crença de que os vinhos vulcânicos representam uma coleção digna de expressões individuais altamente distintivas - resistentes teimosos em um mundo de sabores que se fundem.”

O livro é rico em fotografias (desde o pôr-do-sol do Oregon sobre vinhas até antigas caves perto do Monte Etna) e começa com uma visão sucinta da geologia e dos vulcões para depois percorrer o mundo.

Primeiro, um esclarecimento. "Não existe algo como ‘vinho vulcânico’. No entanto, existem vinhos cultivados em solos vulcânicos", explica Szabo.

Muitos solos vulcânicos não tiveram tempo de se transformar em argila, que retém água, e são relativamente inférteis. Esse fato faz com que as videiras produzam uvas com cachos pequenos que têm menos frutos e peles mais grossas. Isso pode concentrar o sabor e adicionar estrutura aos vinhos. Além disso, a química distinta de diferentes solos vulcânicos afeta indiretamente o sabor (exemplos incluem os níveis de potássio em partes da Hungria, dos Açores e de Santorini, ou ferro nos solos do Estado de Washington e Soave, Itália).

Considere a área vitícola de Dundee Hills no estado norte-americano de Oregon. Vulcanicamente uniforme, foi plantada pela primeira vez em 1966 com Pinot Noir por David Lett. Hoje, a região produz, segundo Szabo, “muitos dos melhores e mais elegantes, flexíveis e suculentos Pinot Noirs do Oregon.” A ascensão da região ao estrelato foi reforçada em 1987, quando o negociante borgonhês Robert Drouhin e sua filha Véronique chegaram para estabelecer suas próprias vinhas em solos vulcânicos (vinhedos de Dundee e Eola-Amity Hills).

Os vinhos do norte da Califórnia e do estado de Washington também se beneficiam de sua herança tectônica. Partes dos vales de Napa e Sonoma, na Califórnia, são sustentados pelas brechas de obsidiana, tufo piroclástico e andesito que fazem parte de uma formação geológica conhecida como "Sonoma Volcanics".

O solo vulcânico (ou qualquer solo) pode afetar o sabor do vinho? Essa antiga questão do mundo do vinho constantemente incita o debate. O conceito francês de terroir implica que cada parcela de vinha tem uma impressão geográfica única que afeta o eventual sabor do seu vinho. Fatores incluem solos, encostas, clima e vento. O conceito é romântico e empírico. Os fatos confirmam isso? Embora o livro de Szabo não pretenda discutir os méritos do terroir, ele inadvertidamente revela algumas poucas pesquisas que favorecem a noção.

Por exemplo, Szabo cita o professor Kevin Pogue, que leciona geologia no Whitman College, em Walla Walla, no estado de Washington. Ele observou uma alta concentração de ferro em muitos dos basaltos expostos no estado. O texto diz: "... continua Pogue, ‘ao contrário da maioria dos elementos, a concentração de ferro em uvas e solos de vinhedos tem sido demonstrada como diretamente relacionada’, é lógico que a química do vinho e, por extensão, a textura e o sabor sejam afetados pela alta concentração de ferro, no entanto, de maneira circular. Provar isso cientificamente, contudo, é outro assunto completamente diferente”.

Um cientista da Alemanha, mencionado no livro de Szabo, é mais direto.

O Professor Dr. Ulrich Fischer, Chefe de Viticultura e Enologia e Avaliação Sensorial no DLR-Rheinpfalz em Neustadt (uma cidade cujo nome se traduz alegremente como "cidade nova na rota do vinho"), observou que o vinho Riesling é feito de uvas cultivadas em partes do solo semelhantes, mesmo se as parcelas são muito distantes. Ele concluiu que “a análise mostrou um claro impacto do terroir sobre as propriedades sensoriais do Riesling Alemão, apesar das influências da vindima e da vinícola”.

Independentemente do impacto do terroir no sabor, muitas uvas viníferas cultivadas em solos vulcânicos sobreviveram ao surto da filoxera que dizimou as raízes das videiras em grande parte do mundo no século XIX. Esses solos inférteis são frequentemente inóspitos para esses insetos microscópicos. A dureza desses solos vulcânicos, portanto, manteve muitas uvas menos conhecidas na produção.

"Muitas uvas de vinho indígenas foram salvas por causa da falta de filoxera em regiões vulcânicas, como as ilhas Canárias", conta Szabo. Hoje, cerca de 80 variedades de uvas viníferas crescem nas Ilhas Canárias (que é o lar do El Teide - não apenas o pico mais alto de toda a Espanha, mas o terceiro maior vulcão do mundo). Ele elabora em seu livro: “As vinhas, deixadas sem serem molestadas, evoluíram como se estivessem congeladas no tempo, com muitas uvas antigas ainda em produção, enquanto que em muitos casos seus ancestrais peninsulares foram abandonados e extintos”.

O livro nos leva ao Chile (um país com magníficos solos vulcânicos para o qual muitos viticultores prestam pouca atenção) e depois à Macaronésia, o agrupamento europeu de ilhas atlânticas que inclui a Madeira Portuguesa e os Açores, as Ilhas Canárias da Espanha e Cabo Verde. De lá, o livro segue para o continente europeu, onde regiões vinícolas alemãs e italianas e vinhedos específicos são minuciosamente detalhados para fornecer a influência de solos vulcânicos sobre vinhos brancos e tintos.

Vinhos cultivados em solos vulcânicos geralmente têm alta acidez, salinidade e um caráter salgado. Szabo acrescenta: “Mineralidade e vinhos vulcânicos andam de mãos dadas”. Por exemplo, considere a base do Monte Etna na ilha da Sicília, na Itália. Lá, Carricante é a principal casta de uva de vinho branca, “…definida por sabores de pedra e salinidade”, observa. O tinto dominante é o Nerello Mascalese, uma uva que “apresenta alta acidez e taninos significativos, que podem ser um pouco ardentes se não totalmente maduros e um perfume maravilhoso, cheio de morango silvestre, cereja ácida e groselha”, acrescenta.

As explorações de Santorini e da Hungria incluem a menção não apenas do vinho, mas da história - uma faceta que contribui para a trama do livro. Este não é um passeio convencional de regiões vinícolas conhecidas e renomadas do mundo, mas uma viagem por terras exuberantes, ilhas selvagens e algumas paisagens rurais encantadoras e quase esquecidas.

Repleto de fotos marcantes, o livro é atraente e abrangente. Para cada região, uma lista (com descrições) de vinícolas está incluída. O texto também fornece incentivo para viajar - seja para as Colinas Zemplèn da Grande Planície da Hungria, para as antigas vinhas da Campania na Itália ou através de Washington e Oregon ao longo da Garganta do Rio Columbia.

Para os sommeliers e os apreciadores de vinho, o tema "vinhos vulcânicos" acrescenta uma nova dimensão na exploração do impacto do local no sabor do vinho.

Fonte: Forbes
 

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